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21/06/2016 – ZH: Sentindo a crise na carne

ZERO HORA | CAMPO E LAVOURA | PÁGINA 4, 5 E 6

Descompasso entre a alta dos insumos para ração de aves e suínos e dificuldade em repassar os aumentos resultam em perdas para os produtores

A conta que não fecha entre a explosão dos custos de produção e a dificuldade para repassar preços diante da recessão colocaram setor de aves e suínos em crise. Operando no vermelho desde o início do ano, as duas cadeias de carnes mais organizadas no Estado recorrem à paralisação de unidades e colocam o pé no freio para reduzir os abates e diminuir o prejuízo. A grande pressão vem da escalada do preço do milho e, mais recentemente, também do farelo de soja, principais ingredientes da ração, item que responde por cerca de 70% do custo dos dois setores. No caso do milho, o preço da saca de 60 quilos pago ao produtor no Rio Grande do Sul, por exemplo, chegou semana passada à cotação média de R$ 47,71, valor 90% superior a um ano atrás. O movimento é impulsionado pela safra menor no país e o forte crescimento das exportações. Em alguns municípios, o preço chega a R$ 55. Além de caro, o grão passou a ser escasso. A esperança de algum alívio vem pelo início da colheita da safrinha em Estados como o Paraná e Mato Grosso.

– A situação está crítica. Para os produtores independentes (que não são integrados à nenhuma empresa ou cooperativa), o quilo de comercialização do suíno na granja está em torno de R$ 3,70 e o custo de produção chega a R$ 4,20. Isto deixa o produtor no vermelho – diz o presidente da Associação dos Criadores do Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador, acrescentando que o preço pago pelos animais caiu de um ano para cá.

O diretor-executivo do Sindicato de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber, avalia que as empresas trabalham com um prejuízo de até 15% por cabeça. Para diminuir perdas, a ordem é abater animais com peso menor. Assim, por exemplo, passam menos tempo nas propriedades se alimentando.

– Os alojamentos devem ter alguma redução do mês de agosto em diante. A expectativa é de que, no quarto trimestre, já se experimente queda da oferta para abate – diz Kerber, lembrando que, devido ao ciclo de produção, não é possível diminuir agora o ritmo dos abatedouros.

Com o descompasso entre os custos e o que é possível repassar ao mercado, há relatos de integradoras atrasando pagamento a criadores.

Mais rápida em relação ao período de produção dos suínos, a avicultura sente de forma mais drástica a crise. O alojamento de pintos teve um corte de 5% em março e mais 5% em maio, quando o ritmo de abates começou a cair. A BRF anunciou paralisação temporária da unidade de Lajeado na segunda quinzena de julho e fechou uma planta em Jataí (GO). Em Passo Fundo, a Minuano encerrou as atividades e demitiu 300 funcionários após o fim de um contrato com a JBS. Em Morro Redondo, a Cosulati fechou as portas e fez 180 desligamentos. No Estado, são cerca de 10 mil criadores de aves. A atividade gera cerca de 60 mil empregos, entre diretos e indiretos.

A margem negativa das indústrias de frangos, com prejuízo desde o início do ano, está na média entre 8% e 10%, estima Nestor Freiberger, presidente da Associação de Avicultura do Estado (Asgav).

– Se o cenário não mudar, há grandes chances de termos mais notícias ruins – alerta Freiberger.

O assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag) Marcio Roberto Langer avalia como um fracasso a estratégia para manter o abastecimento interno de milho, cultura que vem perdendo área para a soja e teve o quadro agravado pela aceleração das exportações a partir de 2015, aliado à quebra na produção por problemas climáticos em outras regiões do país.

– Temos desabastecimento de milho e preços nas nuvens. O valor mínimo fixado pelo governo federal é de R$ 17, a cotação a balcão chega a R$ 53. Isso mostra essa total desorganização – afirma.

Langer ressalta ainda que o cenário ideal seria de equilíbrio entre a rentabilidade do setor de carne e de grãos, sem que um lucre e traga dificuldades ao outro, ao mesmo tempo. A situação, diz o assessor, é preocupante também para os criadores totalmente integrados, que recebem os insumos das empresas para quem depois repassam os animais, sem adquirir ração. A redução do nível de abate também se traduz em menor remuneração para os produtores.

Redução do plantel para fazer caixa

Herdeiros de uma atividade iniciada pelo bisavô, os suinocultores Eleandro e Elcio Roso, de Casca, na região do Planalto Médio, tiveram de apelar para a redução do plantel para enfrentar a crise que garantem ser a maior que já enfrentaram. Em março, eram 7 mil animais. Hoje são cerca de 5 mil. Com a venda de parte do rebanho, fizeram caixa para comprar milho para alimentar os animais pelos próximos meses, à espera de um arrefecimento no quadro que o fazem trabalhar com prejuízo desde fevereiro.

Ao mesmo tempo, diminuiu o peso dos animais vendidos para abate. Dos 130 quilos, baixou para 90 quilos, estratégia que também faz cada animal necessitar de menos ração até ser entregue para a indústria – portanto, com um prejuízo menor. O ritmo de comercialização normal, de 1,3 mil cabeças por mês, subiu para até 1,8 mil.

– O custo de produção está em R$ 4,20 o quilo e agora (semana passada) vendi por R$ 3,50 – exemplifica Eleandro.

Por serem produtores independentes, são eles que arcam com os custos da aquisição de milho e farelo de soja para fazer ração, que produzem em uma fábrica própria na propriedade. Uma das alternativas para driblar a escassez de milho nas últimas semanas, também utilizada por outros criadores e indústrias, foi adquirir trigo para elaborar a alimentação dos suínos. A expectativa de Eleandro Roso é que o início da colheita da safrinha em outros Estados diminua a pressão sobre os preços do milho.

O caixa que fizeram com a venda dos animais, estima Eleandro, permite manter a propriedade pelos próximos três meses. Se o quadro desfavorável se mantiver depois, ainda não sabem o que irão fazer. Mas provavelmente terão de recorrer a um enxugamento ainda maior do plantel – que já é o mais baixo dos últimos 8 anos.

– Quero preservar as matrizes, para quando o mercado reagir – ressalta Eleandro.

RIO GRANDE DO SUL TEM CERCA DE 7 MIL SUINOCULTORES

Conforme a Associação dos Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), o Estado conta hoje com cerca de 7 mil suinocultores. Em torno de 10% são independentes e outros 25% são integrados mas não verticalizados, ou seja, apesar de vínculo com empresas ou cooperativas, precisam adquirir a alimentação para os animais por conta própria. O restante são de produtores integrados verticalizados, que recebem os repasses de insumos da indústria.

A crise, teme o presidente da entidade, Valdecir Folador, pode alijar da atividade pequenos e médios criadores por problemas de escala, além de levar a uma redução no número de matrizes, com reflexo em produção menor em um futuro não muito distante.

Colheita de milho cai, exportação dispara

Fonte de esperança do setor de carnes para estabilizar o preço do milho, a safrinha brasileira – que na verdade se tornou maior do que a primeira safra – deve chegar a 50 milhões de toneladas este ano, 8,5% abaixo do ano passado, estima a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A redução é atribuída a fatores climáticos. Além da falta de chuva no Centro-Oeste, geadas no mês passado em algumas regiões do Paraná ajudaram a frustrar a colheita.

A estiagem, no verão, já tinha prejudicado a primeira safra, calculada pela Conab em 26,2 milhões de toneladas, ante 30 milhões de toneladas ano passado. Com isso, a soma da colheita em 2016 deve ser 8,4 milhões de toneladas inferior ao ano passado.

À menor oferta se soma o crescimento da exportação. De janeiro a maio, o país embarcou para o Exterior 12,2 milhões de toneladas, 140% a mais ante o período de equivalente de 2015. No ano passado, a venda para fora do país já chegou a 28,9 milhões de toneladas, um avanço de 40,2% sobre 2014.

Dificuldade para repassar

Economia do país, com aumento do desemprego e queda na renda, impedem alta de preços

O crescimento do desemprego e a queda da renda no país tornaram impossível para as indústrias de carne suína e de frango repassar para o consumidor toda a pressão causada pelo aumento do custo de produção, provocada principalmente pela escalada do preço do milho. Enquanto a cotação do cereal praticamente dobrou em um ano, o impacto nas gôndolas dos supermercados foi bem menor, mostram os número do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do Brasil, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A dificuldade maior é da suinocultura. Enquanto o índice geral subiu 9,32% em 12 meses no país até maio, a alta da carne suína foi de apenas 1,72% no período. No caso do frango inteiro, o repasse foi de 15,1%, mas mesmo assim abaixo do ritmo de aceleração dos custos.

O presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, avalia que, apesar da crise instalada no país dificultar o repasse, a continuidade do quadro deve determinar novos reajustes para o consumidor

– É insustentável do jeito que está. Se essa situação continuar teríamos de repassar pelo menos 20% para o varejo, apesar de, do lado de lá, a população estar com poder de compra menor. Acontece que a conta não fecha – observa Freiberger, lembrando que a carne de frango é a mais barata à disposição dos brasileiros e, mesmo assim, o consumo per capita no país deve ficar estável este ano, em torno de 44 quilos.

Produção e consumo desajustados

O diretor executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Suínos do Estado do Rio Grande do Sul (SIPS), Rogerio Kerber, também avalia que a situação está inviabilizando o setor. Com os custos da cadeia em alta e a perda do poder de compra da população, as duas pontas – produção e consumo – estão desconectadas.

– É uma situação estrutural do país e isso não muda de uma hora para a outra. O desemprego compromete a renda familiar a e, ao mesmo tempo, a inflação e os preços dos alimentos seguem em expansão. Quem vai ao supermercado percebe isso – conclui Kerber.

Apesar do cenário adverso também pelo lado da demanda, as perspectivas são de continuidade das dificuldades e os repasses de preços devem ser inevitáveis. O avanço das exportações também não tem se mostrado suficiente para enxugar o mercado interno. Kerber lembra que, em regra, apenas 15% do que se produz de um animal depois de abatido vai para o mercado externo. Como o Rio Grande do Sul não é livre de febre aftosa sem vacinação, as indústrias gaúchas não podem, por exemplo, exportar carne com osso.

A zootecnista Juliana Pila, analista de mercado da Scot Consultoria, observa que, semana passada, os preços dos suínos e aves nas granjas de São Paulo apresentaram alguma reação e, com as baixas temperaturas dos últimos dias e a chegada do inverno, é possível esperar alguma retomada no consumo de proteína animal no país.

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