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Com a proximidade das festas de final de ano, há expectativa de que parte das perdas da indústria de carnes em 2016 sejam recuperadas. Ainda assim, os números do setor devem fechar em queda ou – no melhor dos cenários – estáveis. A crise econômica, que fez o desemprego atingir os maiores índices em pelo menos cinco anos, chegou à mesa dos brasileiros. Com menos dinheiro no bolso, muitas pessoas reduziram o consumo. O cenário de retração no mercado doméstico levou a cadeia a buscar alternativas, e a exportação acabou sendo a válvula de escape.
Até outubro, os abates de frangos, suínos e bovinos caíram 6,5% no Rio Grande do Sul, para 657,8 milhões de cabeças, conforme dados do Ministério da Agricultura (considerando os frigoríficos sob inspeção federal). Na contramão desse recuo, o Estado, que é o terceiro maior produtor de carnes do país, embarcou um volume quase 7% superior ao do ano passado, alcançando 846,7 mil toneladas no período de janeiro a novembro.
Embora o setor de suínos tenha sido o menos afetado, o diretor- executivo do Sindicato de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber, se mantém cauteloso.
– Historicamente há crescimento na demanda por produtos suínos no final do ano. Acho que os nossos números deverão ser semelhantes aos de 2015, em razão do desemprego e da perda de renda – explica Kerber.
Além do consumo travado pela recessão, outra dificuldade, em especial no setor de aves e suínos, foi a alta nos preços do milho e do farelo de soja, principais ingredientes na composição da ração animal. Depois de superar os R$ 50 neste ano, o preço médio da saca de milho paga ao produtor no Estado baixou para R$ 37 neste mês de dezembro, conforme dados da Emater. Mesmo assim, o valor ainda é 12% superior em relação à cotação do cereal no mesmo período do ano passado.
PRESSÃO DOS CUSTOS
Em razão da crise que o país atravessa, as indústrias de carne suína – e as de frango também – não conseguiram repassar o aumento de custos para o consumidor, e a saída foi reduzir o peso médio dos animais abatidos. De acordo com Kerber, os produtos suínos estão sendo comercializados neste ano a preços 10% inferiores aos de 2015. Ele projeta que o Estado deve terminar o ano com uma produção estável, de 715 mil toneladas, e com uma alta de 10% nas exportações (175 mil toneladas).
– A carne suína seguramente ajudou o consumidor a passar por esse momento de dificuldade – avalia o dirigente.
Já o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, calcula que, neste ano, o setor deve registrar um crescimento vegetativo de apenas 2,5%. A estimativa de produção no Rio Grande do Sul em 2016 é de 1,8 milhão de toneladas de carne de frango, sendo que 45% desse volume será exportado. Haverá um incremento de 5% nos embarques, em especial, para países da Ásia, Europa e Oriente Médio, conforme Freiberger.
– Foi um ano bastante difícil, em função do desemprego e da queda de poder aquisitivo.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen, os frigoríficos estão operando com uma ociosidade de 30% e houve enxugamento em muitas empresas, para fazer frente à crise. A expectativa é de que a produção neste ano se mantenha nos patamares de 2015, por volta de 450 mil toneladas. Até outubro, o setor era o único com aumento de abates em frigoríficos com inspeção federal. No entanto, esse número também deve terminar o ano estável (1,8 milhão de cabeças), conforme Lauxen, que aponta queda nos abates em unidades sob controle estadual.
– Apesar de certa estabilidade, tivemos queda no consumo e redução de margens e a indústria está trabalhando com margens muito apertadas. Como a carne bovina tem preço maior, se reflete nas vendas.
Menor consumo de bovino em 14 anos
Maior exportador de carne bovina do mundo, o país viu o consumo per capita da proteína animal cair para o menor nível em 14 anos. A crise econômica é apontada como a principal razão da queda. Em contrapartida, o consumo de carne de suínos e de aves cresceu consideravelmente, em quase duas décadas.
Pesquisa divulgada pela consultoria MB Agro, em abril, mostra que cada consumidor brasileiro consumiu, em média, 30,6 quilos de carne bovina no ano passado, o que correspondeu a uma queda de 8,4% em comparação a 2014. Os cálculos foram feitos com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
Os preços mais altos da carne bovina levaram os consumidores a migrar para proteínas mais baratas. O levantamento mostra que o consumo per capita das carnes de frango e suína subiu para 4,4 e 14,8 quilos, respectivamente. Ambas, atingiram o maior volume desde 1997.
Conforme estimativas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), nos próximos dez anos as aves devem desbancar os bovinos, e até mesmo os suínos, tornando-se a carne mais consumida em todo o mundo.
De acordo com a consultoria MB Agro, o ano deve terminar com queda no consumo per capita dos três tipos de carnes. Além da crise financeira que diminuiu o poder de compra, outro fator que explica o recuo, segundo o analista da da MB Agro Cesar de Castro Alves, é o preço do milho, que encareceu as carnes.
– No passado, havia migração entre as carnes, mas esse ano foi muito atípico. O frango ficou quase o ano todo com preço mais alto da história.
Preocupação com o cenário instável
As projeções para 2017 não são muito otimistas, devido às incertezas que pairam sobre a economia, acentuadas pela instabilidade política. O presidente do Sicadergs, Ronei Lauxen, diz que a “tsunami de acontecimentos” faz com que os setores oscilem entre “esperança e descrença”. Ele destaca que a possibilidade de abertura do mercado japonês e de aumento nos negócios com os Estados Unidos trazem ânimo para produtores e indústrias.
– O Brasil avança em abertura de mercados e a qualidade da nossa carne é reconhecida. Ainda estamos muito voltados para o mercado interno.
Como os Estados Unidos colheram uma safra recorde de milho, a expectativa de queda nos preços da commodity também pode trazer alívio nos custos de produção. Com isso, segundo o diretor-executivo do Sips, Rogério Kerber, a expectativa para 2017 é que se tenha “condições de volta à normalidade”.
– A grande dificuldade do setor começou no segundo semestre de 2015, quando a cotação do dólar disparou e as exportações de milho foram bastante significativas. Isso trouxe dificuldades para o abastecimento do insumo, que avançou durante este ano.
Conforme o presidente da Asgav, Nestor Freiberger, o setor avícola gaúcho projeta uma queda de 10% na produção, na tentativa de adequar oferta à demanda.
– Torcemos para que 2017 seja melhor do que 2016. Até porque, se tiver que passar mais um ano desses, meu Deus, ninguém aguenta – diz Freiberger, que também aposta na ampliação de embarques para China, Singapura, Filipinas e Coreia do Sul.