CADERNO CAMPO E LAVOURA | ZERO HORA | PÁGINAS 5 E 6
Há pouco mais de dois meses, o produtor Alvício Clemente Grings percebeu que a égua Rosilha, de 10 anos, não se alimentava como antes – estava cabisbaixa e emagrecendo dia após dia. Vizinho da propriedade em Rolante, no Vale do Sinos, onde foi registrado o primeiro caso de mormo no Rio Grande do Sul, em junho deste ano, o produtor começou a desconfiar que o animal pudesse ter sido contaminado. Ao receber a confirmação da doença há quase duas semanas, embora triste, não hesitou:
– Era a nossa melhor égua, conhecia todo o gado. Mas antes um animal do que a vida de uma pessoa, cavalo eu compro outro – disse Grings, 77 anos, que teve o exemplar sacrificado por fiscais estaduais agropecuários no último dia 25.
Clique aqui para acessar a matéria na página.
Em Rolante, distante 95 quilômetros de Porto Alegre, a notícia do primeiro caso da doença, nunca antes registrada no Estado, passou a intrigar os mais de 20 mil habitantes.
– Até acontecer aqui do lado de casa, nunca tinha ouvido falar de mormo, nem sabia que a doença atingia cavalos e pessoas – conta o produtor, que têm outros três equinos para a lida de cerca de cem cabeças de gado de corte.
Com desfile farroupilha cancelado, assim como em outras dezenas de cidades gaúchas, Rolante voltou a ficar em alerta com a confirmação do segundo caso em setembro. Desde o primeiro registro, o município teve sete propriedades isoladas pela Defesa Sanitária da Secretaria Estadual da Agricultura.
– A interdição é feita para evitar que animais suspeitos saiam da propriedade e que novos entrem na área isolada – explica o veterinário Endrigo Ziani Pradel, supervisor regional da Defesa Agropecuária da Secretaria Estadual da Agricultura.
Em meio aos burburinhos na cidade, especialmente pela possibilidade da doença ser transmitida a humanos, fiscais estaduais tentam desfazer mitos sobre a enfermidade, por décadas adormecida no país.
– O desconhecido provoca dúvidas, é normal. Mas aos poucos os criadores e a população estão se conscientizando sobre os cuidados necessários – destaca a veterinária Ana Paula Saldanha Franzoni Amaral, chefe da inspetoria sanitária de Rolante.
criadores entram na justiça
Até ontem (segunda-feira), o Rio Grande do Sul contava outros 11 animais com diagnóstico positivo em diferentes regiões (veja mapa). Dois casos foram parar na Justiça. Criadores de Alegrete e Uruguaiana conseguiram impedir, por meio de liminar, o sacrifício imediato dos animais – previsto por normativa do Ministério da Agricultura. Contrários à medida sem a realização de um segundo exame de laboratório, os produtores questionam a confiabilidade do teste de maleína – substância injetada no animal que provoca reação quando ele está contaminado – como prova confirmatória. A Procuradoria-Geral do Estado prepara recurso para fazer valer a normativa.
– Jamais se condenaria um animal com apenas uma prova confiável. O exame de maleína é considerado diagnóstico conclusivo e definitivo para a enfermidade – explica Pradel.
quatro meses atrás, livre da doença
Antes de junho, o Rio Grande do Sul era um dos poucos Estados brasileiros ainda livres da doença, como o Paraná. Com a mudança de status, o governo passou a exigir o exame de mormo para emissão de Guia de Trânsito Animal (GTA), exigida para a movimentação e participação de eventos públicos – como rodeios, desfiles e competições de raça.
Ainda em janeiro, uma regulamentação do governo federal passou a determinar o exame de mormo para transporte de equinos entre Estados onde havia registro da doença. Segundo o Ministério da Agricultura, nos seis primeiros meses deste ano, foram confirmados 240 casos em todo o país. Doença típica de países subdesenvolvidos, o mormo passou a ter pequenos surtos também na Europa e na América do Norte.
joana.colussi@zerohora.com.br
Especialista alerta para surto
Por décadas restrito ao nordeste brasileiro, o mormo se disseminou por todo o país nos últimos cinco anos, chegando às regiões Sul e Sudeste.
– Estamos diante de um surto. A situação é preocupante pela falta de controle do trânsito animal no Brasil. Por exemplo, não se sabe onde transitaram os animais que trouxeram a bactéria para cá – exemplifica Carlos Eduardo Wayne Nogueira, professor do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Em tese, qualquer cavalo que entrou ou saiu do Rio Grande do Sul nos últimos meses deveria ter o exame negativo de mormo para poder circular. A isenção do laudo era somente para circulação interna de animais. O primeiro caso de mormo no Estado, por exemplo, ocorreu em uma propriedade de Rolante que recebe equinos de diversas regiões. No local, conforme relato de moradores, funciona uma espécie de hotelaria para cavalos.
– Se as guias de trânsito animal fossem fiscalizadas de forma organizada, poderia se ter mapeado por onde passaram os animais contaminados, identificando focos da doença – completa Nogueira.
A disseminação do mormo, conforme o especialista, é resultado do não cumprimento de normas sanitárias previstas na legislação.
– Já havia sinais de que o controle no país era ineficiente. A disseminação da doença era questão de tempo – completa.
Embora reconheça o alerta diante de uma zoonose (doença animal transmitida ao homem), Gustavo Diehl, responsável pelo Programa de Sanidade de Equinos da Secretaria Estadual da Agricultura, nega que o Estado esteja diante de um surto.
– É preciso adotar medidas para prevenir e controlar a disseminação, obviamente, mas não há nada fora de controle – garante.
25 mil coletas já foram realizadas
Diehl argumenta que o número de casos positivos ainda é muito pequeno se comparado ao universo de análises feitas até agora. Das mais de 25 mil coletas realizadas nos último meses, apenas 13 tiveram a confirmação da doença até agora – incidência de 0,05%.
Neste momento, destaca Diehl, o mais importante é conscientizar os criadores sobre a importância de realizar o exame para evitar a propagação da bactéria.
– A exigência dos exames para trânsito animal e o isolamento de focos são estratégias eficientes para conter a doença, já que não é transmitida pelo ar, mas por contato direto – resume Diehl, acrescentando que se o Estado ficar seis meses sem nenhum registro positivo poderá recuperar o status de livre da doença novamente.