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JC: CRMV critica fiscalização agropecuária da União

JC EMPRESAS | JORNAL DO COMÉRCIO | PÁGINA 5
Rodrigo Lorenzoni assumiu a presidência do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) no início de 2015. Em meio ao anúncio da 8ª etapa da Operação Leite Compensado, concedeu entrevista ao Jornal do Comércio e criticou o modelo de fiscalização dos produtos de origem animal adotado, especialmente, pelo governo federal. Segundo Lorenzoni, há um processo crescente de fragilização da inspeção, o que pode ser ilustrado pelos decretos do Plano Nacional de Defesa Agropecuária, lançado no mês passado e com validade até 2020.
JC Empresas & Negócios – Qual é o déficit atual do quadro de fiscais agropecuários em nível estadual?
Rodrigo Lorenzoni – Tanto a secretaria estadual quanto o Ministério da Agricultura possuem cadastro de reserva. O ministério tem um déficit de 145 fiscais aqui no Estado e a secretaria, em torno de 100. Os profissionais existem e entendemos como absoluta necessidade que o quadro seja reposto porque esses profissionais garantem a qualidade dos produtos de origem animal que consumimos.
Empresas & Negócios – O lançamento do Plano de Defesa Agropecuária traz alterações significativas nessa área?
Lorenzoni – É um plano cheio de sutilezas, um compilado de diretrizes que não diz o que vai ser feito, nem onde, nem quando ou como. Junto com o plano, foram apresentados quatro decretos, sendo que o mais importante deles altera o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa). O texto diz que vai ter fiscalização oficial somente nos estabelecimento de abatedouros, e os demais vão ter fiscalização periódica. Ou seja, em lacticínios, a fiscalização vai ser periódica, quando a crise do leite nos mostra que temos que fortalecer a inspeção e não torná-la ocasional, sem saber onde e quem fará. Digo isso para reforçar o nosso entendimento da importância do fortalecimento dessa carreira de estado. A fiscalização é uma prerrogativa do Estado e não pode, em momento algum, se terceirizada.
Empresas & Negócios – O problema é só de escassez de recursos humanos?
Lorenzoni – É o principal problema. Evidente que existe carência de veículos ou diárias, estruturas para a categoria trabalhar. Mas, antes disso, o maior problema é a falta de profissionais. É uma atividade que precisa do olho técnico. Se a posição do CRMV fosse corporativista, defenderíamos a terceirização para abrir um monte de postos de trabalho para veterinários. Mas não podemos ser corporativistas, tampouco pensar só do ponto de vista econômico, de corte de gastos. Temos que olhar a fiscalização sobre o prisma da saúde. Entretanto, outro artigo do plano sacramenta que tem que ter médico veterinário fazendo fiscalização apenas nos estabelecimentos de abate que vendem carne para fora. Isso porque o mercado exige a presença oficial desse profissional para garantir a sanidade e a qualidade do produto. E aqui dentro vamos comer qualquer tipo de carne? Defendemos que não deve haver diferença nesse sentido. Sanidade não tem meio limpo ou meio sujo.
Empresas & Negócios – As entidades do setor têm dialogado com o governo para suprir a questão do déficit?
Lorenzoni – Temos um canal de diálogo bastante aberto. O Departamento de Defesa Agropecuá- ria sempre nos deu muito espaço para dialogar e temos uma agenda encaminhada com o secretário Ernani Polo. O ministério, por outro lado, tem tomado uma postura fechada ao diálogo com as entidades técnicas. Percebo um movimento de governo para fragilizar o sistema de inspeção. Vemos um encaminhamento para colocar no colo da indústria a responsabilidade sobre a sua própria fiscalização. E, nesse caso, os pequenos é que saem fragilizados. Agora, se os pequenos tiverem que contratar um profissional para fazer a fiscaliza- ção talvez não tenham condições. Hoje, o Estado dá subsídio para que o pequeno possa se organizar e produzir dentro das normas, mas, se obrigarmos esse cara a contratar, não sei se ele viabilizará seu negócio. Ou seja, parece haver uma força que está buscando o enfraquecimento do sistema de produção como um todo. É uma resposta que eu busco. Do ponto de vista técnico e da realidade do segmento, é muito claro que o enfraquecimento pelos modelos propostos prejudicam os pequenos. Agora, qual benefício traz é o que eu pergunto para o ministério, pois eu também não sei dizer.
Empresas & Negócios – Pode ser o caso de o governo assumir que não tem condições de fazer a fiscalização?
Lorenzoni – Esse é o argumento do governo, mas que eu entendo como uma cortina de fumaça. Alguns trechos do Plano de Defesa falam em “custo”, em “reduzir em 30% o custo da defesa”. Não é custo, é investimento. É um setor que envolve a segurança da sociedade brasileira, envolve divisas. Não é plausível que o governo federal não tenha como viabilizar 145 profissionais para o Estado. E tenho medo dessa relativização de que se o Estado não pode fazer, então terceiriza, pois é falta de visão estratégica para resolver o problema em sua raiz.
Empresas & Negócios – Quais outras questões são alteradas pelo plano?
Lorenzoni – Junto com o plano, veio a medida provisória que regulamenta os medicamentos genéricos veterinários, o que é algo a ser reconhecido como de grande importância. Se conseguirmos construir com os medicamentos veterinários o que foi feito com os humanos, será de grande valia, proporcionando ao produtor acesso que por causa do custo ele não utilizava. É uma ferramenta de promoção de sanidade que também beneficia o mercado pet, onde os tratamentos são muito caros. Mas, de uma maneira geral, o plano gera insegurança, pois traz muitas perguntas e poucas respostas, quando, na verdade, precisamos trazer o maior número de elementos que gerem segurança para a cadeia produtiva como um todo.
Empresas & Negócios – As entidades técnicas não participaram da construção do plano?
Lorenzoni – Não fomos chamados em nenhum momento, não houve consulta técnica. Mas o que defendemos é o fortalecimento do sistema de inspeção oficial, com reposição das vagas e fiscalização agropecuária fixa em todos os estabelecimentos que produzam alimentos de origem animal, como prevê o Riispoa em sua origem. Lembrando que os fiscais agropecuários tem o poder de polícia administrativa, podem apreender produtos e interditar estabelecimentos. O Estado brasileiro vai abrir mão dessa prerrogativa e vai entregar na mão da indústria? Se cria até um dilema ético: ele vai fiscalizar quem contrata ele?
Empresas & Negócios – A fiscalização efetivamente fixa poderia evitar problemas como o do leite?
Lorenzoni – Na prática, a fiscalização é periódica na indústria de leite por falta de pessoal. O que o governo fez foi institucionalizar isso no Plano de Defesa. Se tivesse um fiscal oficial acompanhando a chegada do leite na indústria criaria uma barreira. Para que vamos tirar uma barreira? Outro problema é a falta de regulamentação da cadeia produtiva. O Estado tem uma lei que diz que o transportador de combustível que fraudar combustível é afastado da cadeia. Por outro lado, o cara que botar o que for no leite pode seguir transportando leite após pagar uma multa. Faltam marcos regulamentatórios rígidos para a cadeia de produção de alimentos. Também propomos uma minuta de projeto que obrigasse a indústria a colocar na embalagem o nome do veterinário responsável técnico. Isso daria mais transparência e criaria um ambiente de responsabilização, nos mesmos moldes que a indústria farmacêutica faz. Enquanto a cadeia não tiver as normas claras e punições exemplares, nada vai mudar. Esperamos que as operações leite compensado sejam um start para nos movimentarmos para que isso possa acontecer.
Empresas & Negócios – O decreto 8.205/2014, que trata da fiscalização sanitária em frigorí- ficos, é contemplado pelo plano?
Lorenzoni – O que foi publicado no plano não movimenta muito essa área. Esse decreto atribui a agentes de inspeção atividades que são privativas do médico veterinário, pois exigem conhecimento técnico. Levamos o assunto a comissão de agropecuária da Câmera dos Deputados. Há um estudo para criar um decreto legislativo que suste o decreto do Executivo, mas é uma questão de longo prazo. Também há ação judicial da Associa- ção Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários contestando esse decreto, que parece estar dentro da lógica da União: faltam fiscais, colocamos agentes para completar o quadro e vamos dando um jeito. Mas não podemos dar um jeito com saúde, com cuidado sanitário. É mais uma medida que fragiliza a fiscalização e consolida minha linha de raciocínio de que há um movimento de fragilização que eu me pergunto há quem beneficia.