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Um ano após criar grupo para combater o abigeato, Brigada Militar reconhece que a medida não teve o efeito esperado. Enquanto o número de casos continua em alta, levando produtores a desistir da pecuária, a área de segurança do governo do Estado inicia uma nova formatação do programa.
Após sofrer com o abigeato pela terceira vez desde dezembro, o pecuarista Fernando Azambuja decidiu vender todo o plantel de 137 cabeças da raça Brangus, fruto de um trabalho de 18 anos de seleção genética à frente da Fazenda Saudade, em Encruzilhada do Sul. O remate foi realizado na última terça-feira, em Viamão (foto abaixo). Restaram apenas seis touros que não puderam ser transportados e serão vendidos na primavera. Agora, a propriedade que tem com a esposa Marilene será arrendada. “Cansei”, resume o produtor.
A cada animal arrematado, o pecuarista sentia sua desolação aumentar. “No dia do carregamento, na véspera, para mim foi um velório. Ontem (terçafeira) foi o enterro”, definiu. No primeiro furto, além dos animais, os criminosos levaram eletrodomésticos de dentro da casa. A última ação ocorreu há 15 dias. “Pegaram uma novilha tatuada, com cria, e carnearam o bicho no campo”, recorda Azambuja. Nas três ações criminosas, o prejuízo total foi calculado em R$ 30 mil, com a perda de 20 animais. “Pedi apoio da polícia, mas quando eles chegam lá já está tudo atirado no campo”, lamenta o criador, que chora ao falar do assunto.
O caso de Azambuja reflete as dificuldades do combate ao abigeato. Há um ano, o governo do Estado criou a Companhia de Operações de Fronteira e Patrulhamento Rural, que contaria com 150 homens. A medida, no entanto, não surtiu efeito na prática. “A companhia não avançou como gostaríamos”, reconhece o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Alfeu Freitas Moreira.
Conforme o oficial, à dificuldade de recursos humanos se somou a especificidade do crime, que necessita de patrulheiros treinados para o combate. Por isso, segundo Moreira, o projeto está sendo reformatado, com a adição dos patrulheiros ambientais ao grupamento. O objetivo é aprimorar o combate ao abigeato e outros crimes comuns em áreas fronteiriças. “O abigeato exige do policial militar conhecimentos específicos, que vão desde os sinais de identificação do animal até as normas sanitárias”, destaca.
O primeiro treinamento da patrulha conjunta ocorreu entre 6 e 10 de junho, em Livramento, reunindo 70 policiais da Fronteira Sul, Serra e Região Metropolitana. “Hoje, estamos atuando com apenas 50 policiais militares no patrulhamento rural, que não contempla apenas os crimes de abigeato. A ideia é fazer mais dois encontros como este, abrangendo até 200 policiais das regiões envolvidas”, adianta o coordenador do treinamento, major José Carlos Pacheco Ferreira.
MILHARES DE CASOS
A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul registrou 9.240 crimes de abigeato em 2015, com 1.940 casos a mais do que em 2014. Para o presidente da Associação e Sindicato Rural de Bagé, Rodrigo Moglia, as estatísticas oficiais não correspondem à realidade da região. “Estamos em situação caótica, lidando com o crime organizado. Temos furtos de até cem cabeças de gado e prejuízos que excedem os R$ 250 mil por mês na região, frisa.
Moglia sugere como alternativa para combater o abigeato a criação de uma força-tarefa do Ministério Público Estadual, nos moldes da que promove a operação Leite Compen$ado. Ressalta, ainda, que o crime não prejudica apenas quem tem gado furtado, mas também o consumidor, que adquire um produto sem qualquer cuidado sanitário.
O presidente do Sindicato Rural de Dom Pedrito, José Roberto Pires Weber, avalia que o aumento dos casos de abigeato é resultado do desinteresse do poder público em combater os crimes no campo. “O Estado está quebrado”, afirma, lembrando que “a Brigada Militar e a Polícia Civil atuam com metade do efetivo que deveriam”. Weber diz, ainda, que a inércia governamental provocou o descrédito do produtor, que muitas vezes sequer denuncia o furto por ter certeza que isso iria “dar em nada”.
Em Alegrete, o Sindicato Rural do Município formou um comitê local de combate ao abigeato com a prefeitura, as polícias civil e militar e a inspetoria veterinária. “Mas o produtor tem de fazer a denúncia formal do crime para que este possa ser investigado”, afirma o vice-presidente do sindicato, Joal Pontes.
PL AUMENTA PUNIÇÃO
Em discussão no Congresso, proposta amplia a pena para o furto de animais para dois a cinco anos dereclusão e condena também a receptação e comércio de carne de procedência ilícita
Para tentar minimizar a agonia dos pecuaristas que têm seus rebanhos expostos ao abigeato, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 128/2015, de autoria do deputado Afonso Hamm, que muda a tipificação do delito, de furto comum para qualificado, e aumenta as penas para quem cometê-lo. O texto já passou pela Câmara de Deputados e na última quarta- feira começou a ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), com parecer favorável do relator Aécio Neves. Na sessão, entretanto, o senador Eduardo Braga, pediu vistas ao relatório. O projeto deve retornar à pauta na próxima quarta-feira. Se a matéria receber emendas voltará à Câmara de Deputados.
A proposta altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, no Código Penal, para qualificar, com agravantes, os crimes de furto e receptação de todos os animais criados com a finalidade de obtenção de produtos com objetivo comercial, inclusive os abatidos ou divididos em partes no local da ação. Também altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define crimes contra as relações de consumo, para punir o comércio de alimentos sem procedência lícita.
Desta forma, a pena para o furto de animais passa de reclusão de um a quatro anos – previsão da legislação atual – para dois a cinco anos, além do pagamento de 500 a 1.000 dias-multa, com valor diário a ser estabelecido entre 1/30 do salário mínimo até cinco vezes o salário mínimo, de acordo com a gravidade de cada caso. As mesmas penas são estendidas a quem adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender esses animais. “A intenção inicial era que a punição fosse de dois a oito anos de detenção, mas na Câmara houve alteração da pena, que ficou em cinco anos. Os deputados entenderam que a duplicação da pena inicial já garante mais eficácia à lei”, explica Hamm.
O deputado federal gaúcho esclarece que sua maior preocupação foi tornar a legislação mais clara no sentido de dar instrumentos aos órgãos de segurança para enquadrar o abigeato, que não lesa apenas o produtor e a indústria, mas também o consumidor que adquire um produto sem a devida inspeção sanitária.
IMPUNIDADE
O presidente da Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), Eduardo Finco, considera positiva a mudança na legislação, mas entende que a medida, sozinha, não é capaz de inibir a situação de descontrole a que se chegou no Rio Grande do Sul. Por isso, entende que é necessário reavaliar a questão da segurança no campo, que antes gozava de uma relativa tranquilidade e hoje tornou-se atrativo para os bandidos pela facilidade que encontram para roubar e pela perspectiva da impunidade. “O governo tem de repensar a disponibilidade de verbas para a segurança na área rural e atentar para a relevância da pecuária para o Estado”, adverte. Finco constata, também, que o crime de abigeato causa um triplo desgaste para as vítimas, por provocar estresse pessoal, perda patrimonial e preocupações trabalhistas. “Há gente desistindo da atividade, por ter um prejuízo que não consegue recuperar e em razão do arcabouço de responsabilidades que um crime destes pode trazer, como o ferimento ou até a morte de um funcionário”, comenta.
CENÁRIO CAUSA DESESTÍMULO
Em Bagé, município como maior número de casos, apenas três policiais estão destacados para o patrulhamento de fronteiras. Dossiê com informações sobre as ocorrências foi entregue aos órgãos de segurança recentemente
Município com o maior número de casos de abigeato no Rio Grande do Sul, Bagé é um exemplo da limitação do Estado para combater esse tipo de crime. Segundo o secretário da Associação Rural, Luciano Alves, a patrulha de fronteira da Brigada Militar conta com apenas três policiais e uma viatura para atender a região. O reflexo é um cenário em que a insegurança acaba intimidando produtores, que veem um trabalho de anos ser desfeito após cada ação criminosa. “Todos os dias a gente se pergunta quem foi a vítima da noite”, explica Alves.
Uma das consequências da descrença dos produtores na segurança é a subnotificação, já que muitas vítimas desistem de procurar a polícia. Somente no mês de maio, a Polícia Civil de Bagé registrou 58 ocorrências relacionadas a essa prática. Dados levantados pelo Sindicato Rural apontam que no mesmo período 85 animais foram furtados vivos e 53 foram carneados no campo. Em uma das propriedades atingidas 54 animais foram furtados, com um prejuízo calculado em R$ 180 mil. Um dossiê com informações e imagens das últimas ações criminosas foi entregue recentemente à Secretaria da Agricultura, à Brigada Militar e à Polícia Civil.
O pecuarista Gustavo Camponogara teve a Estância Rio Negro, nas imediações da cidade, invadida no final de maio por uma quadrilha de abigeatários. De um abrigo onde estavam 250 animais da raça Braford, os criminosos levaram cinco fêmeas avaliadas em R$ 10 mil cada uma, sendo que três delas estavam prenhes. Além disso, entre as cinco havia a mãe de uma grande campeã na Expointer de Esteio e três vacas premiadas na Expofeira de Bagé. “O prejuízo é muito maior do que o valor de cada vaca, é a perda de pelo menos 15 anos em investimento genético, já que eram as minhas principais doadoras de embriões”, lamenta o produtor, vítima de abigeato pela terceira vez. Camponogara chegou a fazer o registro na Polícia, mas afirma que falta proteção efetiva no campo.
CONSUMIDOR FICA EXPOSTO A RISCOS
Além do prejuízo aos criadores de gado, o abigeato também representa um risco à saúde pública. Quando o animal é furtado ou abatido no campo, de forma ilegal, fica para trás o seu histórico e as informações relacionadas ao controle de doenças, que são identificadas por meio da rastreabilidade. Entre as enfermidades que mais preocupam estão febre aftosa, tuberculose, brucelose e carbúnculo. “São doenças de fácil transmissão entre os animais, que podem trazer sérios prejuízos à sanidade do rebanho e também à saúde pública”, explica o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária, Rodrigo Lorenzoni. O combate a essas doenças ganha ainda mais importância no momento em que o Estado discute uma possível retirada da vacinação contra a febre aftosa. “O descontrole que favorece o abigeato é um fator que pode impedir ou comprometer o processo de retirada da vacina”, adverte Lorenzoni.
No caso dos animais que estão recebendo medicação, há um período de espera para que o produto seja consumido sem deixar resíduos no organismo humano. Quando o abate é clandestino, esse controle torna-se impossível. Alguns antibióticos, por exemplo, possuem tempo de carência de no mínimo sete meses. Na produção leiteira, o leite precisa ser descartado durante esse período. “No caso da carne, esse animal só pode ser abatido quando acabar esse período de carência”, alerta a presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro), Angela Antunes.
Denúncias podem ser feitas à Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), da Secretaria de Agricultura, pelo telefone (51) 3288-6355.
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