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16/03/2016 – ZH: O cordeiro que abalou a reputação do galã

ZERO HORA | SUA VIDA – COMPORTAMENTO | PÁGINAS 26 E 27

Abate de animal no programa de Rodrigo Hilbert causou ultraje nas redes sociais e provocou uma reflexão: esse tipo de imagem não deveria ser exibido ou é educativo mostrar a origem da carne?

No ano passado, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foram abatidos legalmente no Brasil para consumo humano 5,4 bilhões de aves, 34,2 milhões de porcos, 24,8 milhões de bovinos e 64 mil ovinos.

Toda essa mortandade somada não teve nem de longe a repercussão do sacrifício de um cordeiro mamão de seis meses, passado na faca pelo apresentador Rodrigo Hilbert para fins de churrasco. O abate foi exibido na última quinta-feira, em horário nobre, pelo canal pago GNT.

No episódio do programa de culinária Tempero de Família, o marido de Fernanda Lima vai a uma pequena propriedade rural, escolhe um filhote de ovelha, procede à sua degola e depois o eviscera e esquarteja, para preparar um assado rústico. Enquanto fatia os nacos, Hilbert comenta para as câmeras que o cordeiro era tão macio que parecia um sofá. As cenas, consideradas chocantes por muitos telespectadores, geraram comentários de tempero nada familiar.

Xingado e vilipendiado, Hilbert virou um dos assuntos mais populares das redes sociais nos últimos dias. Na segunda- feira, acabou por divulgar um pedido de “desculpas verdadeiras” a quem se sentiu ofendido: “Retiraremos as imagens em questão do episódio. Vou levar isso tudo como um aprendizado. Ao mostrar o abate do animal em uma pequena fazenda, eu acreditava estar chamando a atenção para se conhecer a procedência dos alimentos, para se entender como é a cadeia produtiva do que consumimos. No entanto, qual não foi a minha surpresa ao perceber que, ao invés de passar uma mensagem de conscientização sobre o que comemos, vi surgir o ódio de muitos por mim”, escreveu o galã.

CHEF ALEX ATALA FOI APLAUDIDO AO MATAR GALINHA NO PALCO

Além de motivar críticas ao apresentador, ao programa e ao canal, o episódio também desencadeou uma acalorada discussão ética. Diante das multidões que se declaravam escandalizadas pelo sangue a escorrer da faca de Hilbert, muitos lançaram um dedo acusador: “Então vocês não sabiam que a carne que comem vem de um animal que teve de ser morto?”, questionavam.

O abate em rede nacional se insere em uma tendência em alta no meio gourmet. A chef Clarice Chwartzmann, que comanda o projeto A Churrasqueira, lembra que o renomado chef Alex Atala já foi aplaudido por matar e depenar uma galinha no palco de um grande evento gastronômico. Clarice afirma que, pessoalmente, prefere trabalhar com a carne já processada, mas tece elogios a Hilbert:

– Ele fez um trabalho de esclarecimento, mostrando a origem do alimento e a forma como ele é trabalhado para chegar à mesa das pessoas. Está educando, mostrando que a carne que tu compras em um supermercado, que tu comes em um restaurante, teve um processo de abate. As pessoas que se interessam por gastronomia e cozinha gostam de ver isso, porque querem aprender. Quem não quer ver troca de canal. Acho que as pessoas estão muito intolerantes. Essa indignação deveria ser direcionada para outras coisas, como a violência com que a gente convive.

VETERINÁRIO DIZ QUE NÃO SE MATA OVELHAS TÃO JOVENS

Esse ponto de vista de que o abate praticado por Hilbert é revelador do processo pelo qual passa a carne antes de chegar à mesa do consumidor encontra um contraponto em representantes do setor pecuário e da indústria de frigoríficos. Eles argumentam que o apresentador de TV não seguiu as normas sanitárias que garantem a qualidade da carne ou os procedimentos técnicos que são exigidos para que o animal sacrificado não sinta dor.

O médico veterinário Edemundo Gressler, superintendente de registro genealógico da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos, coloca em dúvida outras opções feitas por Hilbert. Afirma que a ovelha escolhida pelo ator para seu assado não é das raças tradicionalmente preferidas para esse fim. Também critica a seleção de um animal tão jovem – no programa, Hilbert informa que o cordeiro ainda está na fase de aleitamento:

– No mercado oficial, de frigoríficos, não é usual abater animais em regime de amamentação. Não se abate animal tão jovem. Isso inclusive fere um pouquinho essa relação do homem com a ovelha. A gente vê nas imagens que a carcaça é pequena. Acho que, por isso, o pessoal se indignou. Ele pegou um cordeirinho e sacrificou. Afrontou o olhar das pes- soas. Foi muito forte.

ENTREVISTA

“Ele nunca poderia ter mostrado isso na mídia”
PÉRICLES SALAZAR NAZARETH AGRA HASSEN – Presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo)

Péricles Salazar comanda uma instituição que está vinculada ao abate diário de milhares de animais. Apesar disso, condena sem meias palavras o sacrifício de um cordeiro por Rodrigo Hilbert. Na visão dele, o que ocorre nos abatedouros fica nos abatedouros. Ele diz que a indústria nunca exibe imagens de animais sendo mortos, para não ferir suscetibilidades e não prejudicar o consumo. Salazar também recrimina Hilbert por não ter seguido as normas sanitárias.

Como o senhor viu a repercussão que teve o abate?

É sempre chocante você assistir a um abate. Sempre que se quer fazer um vídeo ou um material publicitário a respeito da indústria de carne, nunca se mostra o abate do animal, porque isso toca nas pessoas. A gente filma a carne sendo embalada, sendo transportada nos caminhões, sendo vendida, mas nunca o abate do animal, porque aquilo é chocante. Faz parte do sentimento de cada um, embora ninguém desconheça o fato de que os animais foram abatidos. E são abatidos aos milhares, todos os dias, no país todo. O que ninguém quer é ver esse procedimento sendo exposto na mídia. Isso que chocou as pessoas.

O senhor vê algum lado positivo no programa, no sentido de as pessoas terem presente que o abate ocorre?

Não. Não vejo nada de positivo, inclusive para as crianças. É melhor sempre ficar resguardado o processo de abate. Porque isso mexe com o sentimento das pessoas. E na internet, na mídia, as crianças estão expostas.

Que efeito essas imagens poderiam ter sobre as crianças?

Acho que têm um efeito negativo. Elas podem ver aquilo como uma coisa bárbara, muito violenta. E também têm um efeito negativo para a indústria, para o próprio produtor. Porque pode haver uma reação contra o consumo. Não pode mostrar.

Vocês sempre têm esse cuidado?

Sim. Ele (Rodrigo Hilbert) pisou na bola. Tanto que já pediu desculpas. Nunca poderia ter mostrado isso na mídia. Não pode. Ele errou. Que não se repita.

As condições em que ele realizou o abate são adequadas?

Não, nada. Estão fora das normas. Totalmente fora. Sob o ponto de vista de sanidade animal e higiene do produto, é um péssimo exemplo. Na indústria, é tudo feito dentro das normas e dentro de um processo de bem-estar animal. O animal não sofre para morrer.

E nas condições em que Hilbert fez?

Isso não foi respeitado. Tem mais esse aspecto a considerar. O Ministério da Agricultura tem hoje um conjunto de normas que estabelece o chamado abate humanitário, prevendo equipamentos e métodos de insensibilização do animal, indolores. Não tem dor para o animal.

O fato de ser um filhote que ele abateu piora a situação?

Mexe mais ainda com as pessoas. Dobra o sentimento de indignação. Pisaram na bola. Existe abate de recém-nascidos, em que, ao nascer, o animal já é abatido. É um produto consumido em larga escala na população, os vitelos. Nasceu, já morre em seguida. Todo mundo sabe. Mas vai mostrar isso na TV? Não pode. Enseja desestímulo ao consumo.

ENTREVISTA

“Quanto mais imagens de matadouros, melhor”
NAZARETH AGRA HASSEN – Antropóloga e integrante do Grupo pela Abolição do Especismo

Nazareth Agra Hassen é vegana e integrante do Grupo pela Abolição do Especismo, que combate a ideia de que os seres humanos são superiores e têm o direito de escravizar e matar outros animais. Um desavisado poderia pensar que, dadas essas credenciais, ela condenaria o programa culinário de TV em que o ator Rodrigo Hilbert matou um cordeiro diante das câmeras. A reação de Nazareth, no entanto, foi oposta: achou muito bom que o sacrifício tenha sido exibido.

Qual foi a reação da senhora diante do programa?

Acho bom que tenha mostrado. É um pouco hipócrita a reação das pessoas. Por que não mostrar uma coisa que acontece? Quer dizer que as pessoas preferem imaginar que aquela carne que vem em uma bandeja de isopor não é de um animal que sofre? Quanto mais imagens de matadouros, melhor, para as pessoas poderem formar o seu juízo a partir de dados da realidade e não de uma coisa idealizada, de que os animais morrem sem sentir nada ou não se importam de morrer para virar comida.

A senhora viu na reação indignada uma hipocrisia?

Na verdade, hipocrisia é um termo um pouco forte. Até louvo quando as pessoas ainda têm algum grau de sensibilidade – se veem o animal sendo morto e se tocam com aquilo, é positivo. Esse é o lado bom, de provocar a sensibilidade das pessoas. A gente tem uma consciência um tanto quanto narcotizada. Quando é possível que essa consciência aflore, é interessante. Realmente, não vi nada de ruim nisso ter acontecido.

O raciocínio da senhora é de que esse episódio pode ter uma consequência em termos de conscientização das pessoas?

Acharia bom que tivesse. Não é a intenção dele (de Rodrigo Hilbert), a intenção dele é o contrário, é mostrar que isso é natural, tanto que ele vai ali e faz. Na defesa dos animais, a gente tem uma teoria segundo a qual a maioria das pessoas, se tivesse de pegar uma faca nos dias de hoje e ir ao pátio matar a galinha ou degolar outro animal, não faria. A gente terceiriza isso. A pessoa que vai sofrer com isso é alguém que eu pago para exercer a função, e pago também com a condição de que eu não seja obrigado a ver. A sociedade é bastante egoísta. Ela só não quer ver o sofrimento. Não importa tanto que ele aconteça.

Isso significa que a reação das pessoas ocorreu por ter visto a morte do animal e não pela morte em si?

É só por terem sido obrigadas a ver. Se fosse pelo fato em si, as pessoas parariam de consumir, que é o que muitas fazem. É uma indignação mal focada.

Faz diferença o fato de ser um filhote que foi morto?

Acho que sim. Carne de vitela, por exemplo, sempre é o filhote. E é uma das mais apreciadas e mais caras. Ver o filhote morrer é pior.

Outro elemento é que se tratava de um animal que parecia estar solto, não em criação.

Do ponto de vista do animal, se ele teve uma vida boa até o momento de morrer, ainda é um pouco melhor do que ele ter tido uma vida desgraçada desde o momento em que nasce. Mas há uma falta de lógica na reação, de achar que o animal para o qual você deu um nome ou criou no pátio não vai matar. Não há diferença.

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