ZERO HORA | CAMPO E LAVOURA | PÁGINA 4
Enquanto o imponente prédio do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), sede da Fepagro Saúde Animal, abriga equipamentos de ponta em seus nove laboratórios, a poucos metros dali, o mato toma conta de imóveis abandonados, como uma antiga fábrica de vacinas, em uma área de mais de 300 hectares em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana.
Esse contraste resume o que tem sido a trajetória da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), criada em 1994. Apesar das dificuldades provocadas pela falta de pessoal e de investimento, a fundação resiste e – graças a recursos de convênios – tenta colocar em prática a missão de “implementar a política de pesquisa e difusão de tecnologia agropecuária”.
Agora, a Fepagro está na mira do Piratini. O governador José Ivo Sartori quer extinguir o órgão e transferir suas atribuições para a Secretaria da Agricultura. A medida divide opiniões de entidades ligadas ao campo e levanta mais dúvidas do que certezas. A ideia do governo, embora não conste no projeto de lei, é criar um departamento e, assim, preservar a pesquisa.
Uma das preocupações diz respeito à perda de autonomia e, consequentemente, de recursos captados junto a agências de fomento à pesquisa – atualmente, são R$ 25,5 milhões. Nos últimos 10 anos, a receita, em valores corrigidos, somou R$ 91,2 milhões, sendo que 90% dos recursos provêm de editais de agências de fomento. O governo diz que os convênios serão mantidos.
Segundo o Conselho Nacional das Entidades Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Consepa), “a existência de um órgão de pesquisa no Estado é o que dá condições dele poder se aplicar aos editais e de captar recursos”.
Farsul apoia fim da instituição
Desde a criação, a partir da fusão dos departamentos de pesca e pesquisa, a Fepagro gerou 34 tecnologias. A mais recente, apresentada em março deste ano, foi a cultivar de batata-doce BRS Fepagro Viola, em parceria com a Embrapa – variedade quase cinco vezes mais produtiva. Ex-diretor técnico da Fepagro, Carlos Oliveira lembra que o desenvolvimento de uma nova cultivar leva, em média, oito anos. O fim da fundação, segundo ele, coloca em risco trabalhos que estão em andamento e que têm um impacto econômico e social.
– Se temos um Estado com 40% do PIB proveniente do agronegócio, será que a sustentação tecnológica dessa atividade econômica não tem de ser priorizada?
A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) apoia “integralmente” o pacote de Sartori, que prevê a extinção de outras oito fundações, uma autarquia e uma companhia. Segundo o vice-presidente Gedeão Pereira, o fim da Fepagro “não é bom, mas é necessário”, pois o Estado chegou a “um ponto caótico”. O dirigente não acredita que haverá prejuízo para o agronegócio porque o setor está “bem suprido pela Embrapa, que tem uma estrutura melhor”:
– Não vejo a necessidade de termos a Fepagro, se temos a Embrapa. Se temos sobreposição de órgãos, vamos deixar com o federal, que tem mais recurso.
Presidente da Embrapa Pecuária Sul, Alexandre Varella discorda da avaliação. De acordo com ele, as instituições trabalham juntas e são complementares – hoje, 30 projetos estão em curso.
– Temos nos unido para fortalecer os resultados para o Estado. A Embrapa enxerga que a extinção da Fepagro vai diminuir tremendamente a capacidade de oferecer tecnologias no RS. A Embrapa sozinha não dá conta.
Já o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, entende que a fundação é “importantíssima” para o setor, mas destaca que, mais do que manter a estrutura, é necessário rediscuti-la:
– A Fepagro tem que melhorar, e não ser extinta. A pesquisa tem que estar mais ligada à assistência técnica. É uma estrutura fantástica, que precisa de investimento.
Em nota, o Sindicato dos Médicos Veterinários no Estado do Rio Grande do Sul (Simvet/RS) alerta que, se a proposta for aprovada, “projetos de pesquisa agropecuária que aumentam a produtividade no campo poderão voltar a ficar estagnados devido à burocracia e ao emperramento da máquina pública”. O texto destaca que, nos moldes atuais, a Fepagro tem condições de ser autossustentável.
Já o presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), Rogério Kerber, evitou se posicionar, mas destacou que espera que a área de diagnóstico seja preservada, especialmente o IPVDF. Segundo Kerber, o Fundesa tem investido cerca de R$ 400 mil/ano para “manter a acreditação e o credenciamento” do instituto, que realiza importantes testes para o setor, como o de brucelose. Sobre os argumentos de que a mudança poderia resultar em obstáculos para convênios, Kerber questiona:
– Vão criar dificuldades para alguém colocar dinheiro? Acho difícil.
Procurado pela reportagem, o presidente da Fepagro, Adoralvo Schio, disse que não cabe a ele “entrar no mérito do projeto”. O agrônomo, servidor da Secretaria de Agricultura há 42 anos, também não sabe como será a nova organização, caso a proposta seja aprovada, e se continuará no comando.