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18/02/2017 – ZH: Não é só um cachorro

JORNAL ZERO HORA | VIDA | PETS | PÁGINA 5

Meu amigo Claudio foi uma das primeiras pessoas a saber da morte da minha cachorra. Ele dava aula naquela manhã de sexta-feira quando liguei. Antes de explicar ao seu aluno o motivo do telefonema urgente, ele conta que perguntou:

– Você tem cachorro?

Esse detalhe da história me fez perceber o quão essencial era essa pergunta antes de contar a qualquer pessoa sobre a perda da Chloe, minha cadelinha de seis anos. Ela se foi de maneira súbita. Meus amigos compreenderam o momento, deram força, mas, na verdade, nem eu conseguia dar sentido à intensidade daquela dor. Era difícil validar aquele sentimento, ficava insegura ao me expressar. Comecei a procurar mais sobre o assunto: afinal, por que essa perda é tão dolorida?

Beirava até a imoralidade, pensava eu, quando me lembrava da nossa inconsistência humana de valorizar mais a vida de alguns seres vivos em detrimento da de outros. Explico: em 2013, uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que pessoas sentiam mais empatia e aflição quando liam notícias em que crianças eram vítimas de algum mal. Filhotes e cães adultos ficavam em segundo lugar. Por fim, vinham pessoas adultas.

Conversando com a psicóloga Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP, comecei a entender melhor a situação e a aceitar a dor que sentia. Primeiro, porque o luto após a perda de um animal de estimação é real, confirma ela. Não é frescura, como alguns pensam. A ligação e o significado que os animais passam a ter durante o convívio com seus donos são intensos. A morte de um não pode ser comparada a de qualquer outro ser.

Para a especialista, todo luto é único. Cada pessoa tem tempos de recuperação e reações diferentes. Algumas ficam com raiva ou até mesmo desenvolvem um sentimento de culpa por não ter levado o animalzinho antes ao veterinário ou feito algo diferente. A superação leva tempo. O sofrimento, segundo Maria Helena, faz parte dessa fase de aprendizado e é importante que seja respeitado e vivido.

Antes vistos apenas como bichos que ficavam no pátio, os mascotes hoje dividem a rotina da casa. De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, feito pelo IBGE, 44,3% dos lares brasileiros têm ao menos um cachorro. E pesquisas feitas principalmente nos EUA com donos de animais de estimação mostram que os bichos já são considerados membros da família.

– Isso significa que ele está próximo de nós, do nosso cotidiano, que temos ligação afetiva com aquele ser. E ele é incluído nas nossas atividades, no nosso conceito de família. Não vai sentar à mesa, mas faz parte da programação da vida – diz a psicóloga Maria Helena.

u Desmerecimento da dor pode prejudicar quem sofre

Saí da minha cidade natal após a faculdade para começar em meu primeiro emprego. Decidi que teria um cachorro. Levei Chloe, ainda filhotinha, para a minha primeira casa. Por um ano, ela era minha principal companhia, num lugar onde eu não tinha amigos. Com ela, as voltas no parque ganharam sentido, era um motivo a mais para sair de casa. Não é à toa que universidades americanas trazem cães para uma terapia de boas-vindas aos calouros, e algumas já aceitam os cãezinhos e os gatos nos dormitórios.

A maioria dos adolescentes, vivendo longe de casa pela primeira vez, tem dificuldade em falar sobre a saudade com os outros. O resultado desse estudo de terapia com o uso de animais com estudantes, publicado em 2016, mostrou que esses universitários lidavam melhor com a saudade de casa e sentiam-se mais conectados à nova vida. Como não fazer uma ligação intensa com um ser que traz alento em momentos importantes da vida?

– O luto depende do significado do animal na vida da pessoa. Os idosos têm animais de companhia, então, essa perda pode ser muito importante. Para crianças, às vezes, é a primeira perda. A única questão é que a sociedade ainda não aceita. É um luto não reconhecido. Se a expressão não é trabalhada e compreendida, ela poderá causar problemas físicos e psicológico – diz a psicóloga.

Na literatura científica sobre psicologia, o desmerecimento da dor pela perda de animais de estimação já é estudado: subestimar o luto dos donos causa implicações no bem-estar da pessoa que sofre. É o chamado “luto não reconhecido”. Segundo Maria Helena, isso vem da falta de empatia nesses casos. “Ah, é só um cachorro, não é uma pessoa”, podem dizer.

Mas, se você perdeu o seu bicho, não tenha vergonha de sentir-se triste e pedir apoio. A veterinária Juliana Milan diz que os profissionais da área de saúde animal já usam uma abordagem sensível para comunicar a saúde ou o risco de perda do animal. Em alguns casos, os donos passam a frequentar mais vezes a clínica quando o bichinho fica mais velho, para buscar conforto com o profissional.

– Não é nem para examinar o paciente, que continua igual. É para que o tutor seja escutado um pouco melhor, para ele falar sobre o que pode fazer depois dessa perda. As pessoas têm-se precavido já para o pós-perda. Temos de ter sensibilidade e nos colocarmos à disposição – diz a veterinária.

A aflição e o luto podem ser igualmente ou mais dolorosos para quem perde ou tem seus mascotes roubados.

– O roubo dos animais parece que é pior. Os donos ficam com esperança, imaginam o quanto o bicho está sofrendo por não estar em casa. A morte é algo tratado com o tempo, mas o luto de animais vivos é bastante sofrido – diz Juliana.

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