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05/12/2016 – ZH: Perigo no prato

ZERO HORA | PÁGINAS 6 À 13

MAL INVISÍVEL

Cada vez que você come salada com pepinos, cenouras, alfaces e pimentões ou saboreia morangos na sobremesa pode estar ingerindo doses homeopáticas de produtos tóxicos. Parcela das verduras e dos legumes vendidos na Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa), maior entreposto de hortifrutigranjeiros do Estado, tem agrotóxicos acima do recomendável, inadequados para determinadas culturas ou proibidos no Brasil.

É um mal invisível na mesa dos gaúchos.

Para eliminar pragas nas lavouras, existem agroquímicos permitidos, até certo limite. Outros, muito perigosos, banidos em vários países do mundo, são proibidos no Brasil. É aí que o descaso com a saúde alimentar começa. Sem orientação técnica ou por má-fé, agricultores contrariam regras estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que deve zelar pela segurança dos produtos que consumimos.

Repórteres do Grupo de Investigação (GDI), formado por jornalistas do Grupo RBS, descobriram que um acordo entre autoridades que pretendia melhorar a qualidade de hortifrútis ofertados na Ceasa tem sido tratado com desleixo.

Para conferir o grau de contaminação, a reportagem contratou o Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp), do Departamento de Química da UFSM, um dos mais reconhecidos do Estado, para analisar produtos vendidos na Ceasa e que vão parar na sua mesa. Repórteres compraram frutas e verduras que os gaúchos comem no dia a dia – pimentão, moranguinho, pepino, cenoura e alface. Os testes do Larp mostraram problemas graves em quase metade da amostra: nove dos 20 produtos estavam contaminados por agente químico em nível acima do que a lei permite, continham pesticidas não autorizados para o tipo de alimento, apresentavam agente químico proibido no Brasil e até veneno sequer registrado no país.

CONSUMO NO LONGO PRAZO TRAZ RISCO DE CÂNCER E OUTROS MALES

Alimentos com agrotóxicos acima do limite ou proibidos podem provocar doenças graves como câncer e alterações hormonais, além de má-formação em bebês das mães que ingerem esses produtos.

– Consumimos agrotóxicos mais do que o permitido. Estamos todos em risco – afirma Solange Cristina Garcia, doutora em Farmácia pela Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, e responsável pelo Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da UFRGS.

O perigo identificado pelo GDI é de conhecimento do Estado pelo menos desde 2012. Naquele ano, um acordo entre autoridades e o Ministério Público estabeleceu que seriam realizados testes periódicos em produtos comercializados na Ceasa. O objetivo era garantir a venda de frutas, verduras e legumes dentro dos padrões da Anvisa. O pacto, porém, nunca foi cumprido como deveria. Até agricultores condenados pela Justiça pelo uso irregular de agrotóxicos seguem vendendo as mesmas variedades contaminadas. E o descontrole e a impunidade tornaram-se generalizados:

– Podemos ter a ideia de que 40% das amostras são problemáticas no comércio. Não é só na Ceasa. De modo geral, é no Brasil – diz a promotora Caroline Vaz, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor do Ministério Público.

A facilidade na compra de agrotóxicos usados para acabar com pragas, dentro e fora do país, potencializa o descontrole. A reportagem foi ao Paraguai e ao Uruguai e comprovou que não há dificuldades em adquirir venenos nesses países – o que é proibido pela lei brasileira – e contrabandear a carga ilegal. Em Viamão, na Região Metropolitana, o GDI flagrou agropecuárias oferecendo produtos restritos e sem receituário – o processo deveria ser semelhante ao da compra de medicamentos controlados.

Repórteres mergulharam nesse assunto complexo nos últimos três meses, leram dezenas de normas técnicas, entrevistaram pesquisadores e buscaram explicações das autoridades para a cadeia de negligência e impunidade. Também foram atrás de exemplos de iniciativas de controle que deram certo em outras partes do país e de alternativas para reduzir o perigo dos agrotóxicos nas lavouras.

Os resultados de uma das mais profundas reportagens sobre os caminhos dos agrotóxicos até o prato dos gaúchos serão contados nesta série, que se inicia hoje. O conjunto de informações que será apresentado ao longo da semana ainda será tema de um Painel RBS, com o objetivo de promover debate entre especialistas, autoridades e sociedade sobre o perigo que ronda o prato dos gaúchos.

 

DESCASO COM ACORDO SOMA QUATRO ANOS

A Ceasa e outros órgãos de controle negligenciam, há quatro anos, acordo firmado com o Ministério Público para monitorar e melhorar a qualidade dos alimentos que abastecem quase a metade das casas e restaurantes do Estado. O pacto, que prevê a realização e emissão de laudos de até 20 testes de laboratório ao mês, jamais foi cumprido na integralidade.

Além das análises técnicas em número restrito – responsabilidade do Lacen, que faz os exames, e das vigilâncias sanitárias municipal e estadual, incumbidas das coletas –, o pacto já nasceu frustrado porque a Ceasa, ao longo dos anos, deixou de punir produtores flagrados em práticas irregulares com a suspensão da venda dos seus produtos na companhia.

Os primeiros testes de laboratório deveriam ter ocorrido em dezembro de 2012, mas nenhum foi feito. No ano seguinte, se as análises fossem feitas a pleno, poderiam chegar em 240, mas estacionaram em 143, sendo 54 consideradas comprometidas. Nos casos dos pêssegos e pimentões testados, 100% estavam impróprios para consumo. Todos apresentavam diferentes problemas, entre os quais quantidade de agrotóxicos acima do tolerável para o tipo de cultura. No mesmo ano, identificou-se contaminação em 36,3% das alfaces, 44,4% das cenouras, 50% dos morangos e 50% dos pepinos.

Os números preocupantes de 2013 sugerem mais rigor na fiscalização, certo? Errado. Ocorreu o contrário. Nos anos seguintes, a quantidade de análises realizadas despencou (veja no quadro abaixo).

Incapaz de fiscalizar na escala prevista, o Estado mostrou-se também tolerante com malfeitos. Produtores flagrados usando agrotóxicos proibidos no Brasil nunca sofreram as punições previstas.

Pela Lei de Acesso à Informação, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) obteve todos os resultados das análises feitas pelo Laboratório Central do Estado (Lacen) em alimentos da Ceasa. Em 2013, detectou-se Metamidofós em morangos – princípio ativo vetado no Brasil em razão da alta toxicidade. O vendedor deveria ter sido proibido de trabalhar com a fruta por um ano na Ceasa, conforme prevê o acordo. Mas ele permaneceu vendendo seus produtos sem que ninguém o importunasse. O diretor técnico-operacional da Ceasa, Ailton Machado, confirma que, até hoje, o máximo exigido de agricultores infratores foi a participação em cursos.

SEGURANÇA ALIMENTAR É PREOCUPAÇÃO MODERNA

O resultado dessa cadeia que soma descaso e impunidade está na mesa dos gaúchos. Os testes realizados por laboratório da UFSM, a pedido do GDI, em setembro de 2016, identificaram agrotóxicos proibidos ou em níveis ilegais em 45% dos vegetais.

– O TAC (termo de ajustamento de conduta) foi embrião para começarmos a trabalhar. A segurança alimentar é preocupação moderna, até pouco tempo atrás não se falava, não se sabia o que era agrotóxico. É recente e estamos correndo atrás – diz a promotora Caroline Vaz, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor.

A justificativa para o acordo não ter engrenado recai sobre o Lacen. Diretor técnico-operacional da Ceasa, Machado diz que o laboratório do Estado não conseguiu fazer a quantia de exames ideal porque estava, seguidamente, com máquinas quebradas, sem pessoal ou com falta do material necessário.

Com base nos laudos das análises realizadas, o Ministério Público assinou mais de 130 novos acordos com produtores e comércios que se comprometeram a garantir, na origem, a qualidade do produto que vendem.

– O Lacen teve dificuldades de estrutura. Estamos estudando auxiliá-lo com mais verbas dos acordos ou, quem sabe, tentar que outros laboratórios possam fazer sistematicamente as análises – explica a promotora.

PASSO A PASSO DA ANÁLISE
Homogeneização
O alimento é cortado em pedaços e passa por um liquidificador, resultando em uma pasta homogênea.
Separação de componentes
Após a homogeneização, uma amostra do alimento é colocada em um tubo de ensaio e são adicionados a ele solvente e sais para separação de substâncias. O alimento se concentra no fundo do tubo, e os demais compostos ficam na parte superior.
Identificação de agrotóxicos
A amostra é levada para um cromatógrafo. A máquina guarda um banco de dados com limites de concentrações de agrotóxicos e compara as informações com o verificado nas amostras, identificando a presença de cada substância. Os índices são transferidos para um computador, que faz a leitura dos resultados.

 

BUROCRACIA ATRASA TESTES DO ESTADO

O termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado por autoridades e pela Ceasa previa até 20 testes do agrotóxico presente nas hortaliças, por mês. Nunca se atingiu o número máximo de análises. Em 2014, por exemplo, foram feitos 20 exames no ano inteiro.

A Ceasa e o Ministério Público Estadual (MP), quando questionados, ressaltam que ocorreram dificuldades no exame das amostras coletadas, por parte do Laboratório Central do Estado (Lacen).

O órgão trabalha com cromatógrafo, máquina sofisticada, capaz de diferenciar cada produto químico presente nas frutas e verduras que são objeto de análise. Em 2015, o equipamento atravessou meses estragado, necessitando, inclusive, de peças importadas para substituição, ressalta o diretor do Lacen, biólogo Fernando Kappke:

– Ano passado, o técnico de São Paulo que conserta a máquina marcou e desmarcou três vezes a manutenção.

DIRETOR CONSIDERA PRODUTIVIDADE ALTA

Além disso, são usados insumos importados para os testes, ao custo médio de R$ 6,5 mil por mililitro, informa o Lacen. O valor médio para análise de uma amostra é de R$ 1,2 mil e, por vezes, são testados 65 produtos diferentes. Mesmo assim, Kappke diz que não faltou dinheiro, mas a burocracia do serviço público para compras e licitações emperrou o cumprimento do acordo.

– Tudo demanda justificativas detalhadas e minuciosos trâmites administrativos. Isso significa tempo – pondera.

Kappke considera que o Lacen tem alta produtividade, se levado em conta o fato de que não fez apenas análises do TAC. Também realizou testes para o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), organizado em âmbito nacional pela Anvisa. Entre 2012 e 2016, foram de 600 a 980 amostras anuais verificadas por meio do TAC (estadual) e do Para (federal).

DUAS METAS NÃO ATINGIDAS
De 2012 para cá, o Estado assinou dois compromissos oficiais para melhorar a qualidade dos alimentos vendidos na Ceasa. Nenhum foi cumprido.
O termo de ajustamento
de conduta (TAC)
A Ceasa foi chamada, em 29 de outubro de 2012, para assinar um acordo com o Ministério Público (MP), chamado de termo de ajustamento de conduta (TAC). O objetivo era criar um programa para monitorar a qualidade das frutas, verduras e legumes vendidos pelo produtores. O pacto, ainda em vigor, prevê a realização de testes de laboratório periódicos para medir a quantidade de agrotóxicos proibidos ou acima dos níveis aceitáveis nos alimentos. O texto do compromisso deixa clara a intenção: “prevenir e reprimir abusividades”. Ficou definido que “até 20 laudos” de análises de vegetais seriam emitidos mensalmente pelo Laboratório Central do Estado (Lacen) para verificar se os produtos vendidos na Ceasa estavam contaminados. Nos casos de contaminação, o resultado seria repassado ao MP, que procuraria os agricultores para propor novos acordos ou, em caso de resistência, ingressaria com ações na Justiça. O termo definiu também punições para os vendedores da Ceasa flagrados pelo uso irregular de agrotóxicos: desde a obrigatoriedade de participar de cursos de boas práticas até a suspensão de autorização para venda de produto. O pacto, assinado por MP, Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, Secretaria Municipal da Saúde, Vigilância Sanitária Estadual e Crea, nunca foi integralmente cumprido.
O Acordo de Resultados
Ao perceber que a Ceasa não estava alcançando o padrão desejado conforme o acordo com o Ministério Público, o governo de José Ivo Sartori estabeleceu meta, assim como fez para todas as estruturas de primeiro e segundo escalão do Poder Executivo, no chamado Acordo de Resultados. Em 2015, a Ceasa tinha o objetivo de “monitorar a qualidade dos hortifrutigranjeiros comercializados, visando a identificar e corrigir o uso indevido ou inadequado de produtos agrotóxicos através do termo de ajustamento de conduta (TAC) de outubro de 2012”. Ou seja, cumprir o pacto. O Piratini exigiu 80 testes no ano passado. Ceasa fez só _

Alimentos impróprios para consumo

Maior mercado de frutas, verduras e legumes do Estado, a Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa), em Porto Alegre, não cumpre o acordo firmado com o Ministério Público para garantir que produtos vendidos no local estejam próprios para o consumo.

Sem fiscalização adequada, hortifrutigranjeiros infestados de produtos químicos usados para combater pragas na lavoura ou com resíduos de agrotóxicos proibidos no Brasil são comercializados todos os dias para cerca de metade da população do Estado.

Para aferir a qualidade de produtos negociados na Ceasa, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) comprou vegetais e os submeteu a análises no Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp) da Universidade Federal de Santa Maria. Foram escolhidos os cinco tipos de produtos que costumam estar mais afetados por agroquímicos, segundo levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2012, o último disponível antes da realização da coleta pela reportagem: alface, cenoura, morango, pepino e pimentão.

Os testes revelaram que 45% das frutas e verduras avaliadas estavam contaminadas por substâncias proibidas, não autorizadas para o tipo de produto ou acima do limite tolerado pela lei (veja o detalhamento dos exames no quadro abaixo e na página ao lado). Em 2012, análises em nível nacional feitas pelo Programa de Acompanhamento de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, que abrange maior variedade de itens, identificou contaminação em 25% das amostras. Divulgado no mês passado, relatório referente ao período entre 2013 e 2015 apontou irregularidade em 19,7% dos produtos avaliados.

O custo dos exames encomendados pelo GDI foi pago pelo Grupo RBS. Dois técnicos do laboratório acompanharam os repórteres durante a compra de 20 unidades de vegetais (pelo menos um quilo de cada alimento), na tarde de 15 de setembro, em diferentes bancas da Ceasa.

Os testes identificaram 10 tipos de agrotóxicos em situação irregular em nove das frutas e verduras. Para o professor Renato Zanella, coordenador do Larp, os resultados preocupam.

– Acredito que há riscos à saúde. Vários compostos não são permitidos pela legislação atual, bem como alguns apareceram em concentrações acima do limite máximo permitido. Indicam deficiência em termos de normas de aplicação de agrotóxicos – afirma Zanella, doutor em Química Analítica pela Universidade de Dortmund, na Alemanha.

NO MORANGO E NO PIMENTÃO, TÓXICOS EM 75% DAS AMOSTRAS

Os maiores problemas apareceram no pimentão e no morango – três em cada quatro estavam contaminados. Havia seis agrotóxicos inadequados no pimentão e cinco no morango. De acordo com Zanella, o maior perigo revelado pelas análises é a presença de resíduos de Acefato e Metamidofós, encontrados em quatro dos cinco alimentos: cenoura, pepino, pimentão e alface. Os dois produtos não são autorizados para nenhuma dessas culturas.

– É o caso mais crítico – alerta Zanella.

O Metamidofós, “parente” do Acefato, foi proibido no Brasil para todos os tipos de lavouras há mais de quatro anos, depois de 74 estudos científicos no país e no Exterior apontarem riscos ao sistema nervoso, aos hormônios e ao aparelho reprodutor.

Entre quatro cenouras analisadas, a única contaminada tinha Acefato e Quinoxifeno, veneno para matar fungos nas plantações. Sobre esse último não há registro no Brasil, o que indica que o produto veio parar aqui por contrabando.

Para a promotora Caroline Vaz, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor, o uso descontrolado de agrotóxicos nas lavouras é resultado da falta de orientação aos agricultores, somada à má-fé dos que querem lucro a qualquer custo e daqueles que recomendam a utilização abusiva ou ilegal de agentes químicos.

– O veneno está na mesa – alerta a promotora.

PERGUNTAS E RESPOSTAS
Vender fruta e verdura contaminada por agrotóxico é crime?
Sim, conforme a Lei 8.137, de 1990, que regula, entre outras coisas, a relação com o consumidor. O artigo 7º diz que é crime: “Vender, ter em depósito para vender ou por à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao consumo”. A pena é de prisão por dois a cinco anos ou multa.
Usar agrotóxico de forma abusiva
ou inapropriada é crime?
Sim, conforme a Lei 7.802, de 1989, que regula toda a cadeia de fabricação, circulação e aplicação de agrotóxicos no Brasil. O artigo 15º diz: “Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente, estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa”.
Pode o comerciante alegar que não tem responsabilidade sobre vegetais contaminados por agrotóxicos ofertados no seu estabelecimento com o argumento de que a culpa é do produtor rural?
Não. O artigo 18º do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade solidária “pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo”. Com isso, toda a cadeia, desde o produtor até o comerciante, poderá responder pela contaminação de hortifrutigranjeiros.

PARA PRODUTORES, FALTA CONSCIENTIZAÇÃO

A Associação dos Usuários da Ceasa (Assucergs), integrada por 300 atacadistas, e a Associação dos Produtores, formada por cerca de 2 mil plantadores que vendem sua própria colheita na Ceasa, alegam que uma das principais razões para o descontrole no uso de agrotóxicos é falta de conscientização. Principalmente por parte dos produtores.

– O governo, via Emater, deveria divulgar mais quais os agrotóxicos proibidos e também propiciar agrônomos para os pequenos agricultores, que muitas vezes nem conseguem arcar com o custo desse especialista – sugere Sérgio Di Salvo, presidente da Assucergs.

Di Salvo acredita que a maioria dos vendedores de hortifrútis no atacado compra produtos sem saber qual agrotóxico foi usado. Ele mesmo respondeu a termo de ajustamento de conduta (TAC), a partir da apuração feita na Ceasa desde 2012. Encontraram cenoura com clorpirifós (produto não autorizado nessa cultura) e pimentão com carbendazim e clorpirifós (ambos vetados na cultura).

– Comprei sem saber o que tinha sido usado. Era assim. Acertei com o MP não comprar mais desse produtor. Agora, nós, atacadistas, adotamos outra prática: colocamos rótulo digital em tudo e, assim, conseguimos determinar quais produtores seguem as regras. Podemos provar que não compactuamos com uso ilegal de agrotóxico – diz Di Salvo.

Evandro Finkler, da Associação dos Produtores, acredita que muitos usavam produtos proibidos na lavoura por falta de opção. Ele ressalta que, até 2014, não existiam agrotóxicos registrados no Brasil para plantas como batata-doce, agrião, mostarda, acelga, salsa, rúcula, rabanete, couve chinesa e coentro. Resultado: os agricultores usavam produtos vetados no país ou aceitos somente para outras culturas.

– Conseguimos que o governo baixasse normativa que levou ao registro de agrotóxicos para essas culturas. E melhorou muito de lá para cá – diz Finkler.

Para todas as frutas e verduras examinadas no laboratório da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – quase a metade continha agrotóxicos em situação irregular –, porém, havia agroquímicos habilitados para uso no Brasil.

OS AGROTÓXICOS ENCONTRADOS NA ANÁLISE
Os testes do Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp), do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria, identificaram 10 diferentes tipos de agentes químicos nos hortifrutigranjeiros comprados na Ceasa, na Capital. Confira o que é cada um e para quais usos têm ou não permissão.
Inseticida: utilizado para eliminar insetos
Fungicida: empregado para destruir ou inibir a ação de fungos
Acaricida: aplicado no extermínio dos ácaros
Proibido para a cultura
Acefato
Encontrado em quatro amostras (cenoura, pepino, pimentão e alface)
Inseticida banido na Europa. No Brasil, está proibido para algumas flores, para o fumo e também para as quatro culturas nas quais foi identificado nos testes.
Metomil
Encontrado em três amostras de pimentão
Inseticida e acaricida extremamente tóxico. É permitido para uso em lavouras de algodão, batata, brócolis, café, couve, feijão, milho, repolho, soja, tomate e trigo. Mas não é autorizado para cultura de pimentão.
Triflumurom
Encontrado em uma amostra de pimentão
Inseticida indicado para nove tipos de lavouras de alimentos e para plantação de fumo, mas proibido para pimentão. É levemente tóxico.
Dimetoato
Encontrado em uma amostra de morango, sem possibilidade de quantificar a concentração
Inseticida altamente tóxico, não autorizado para aplicação em morango. É permitido para aplicação em apenas seis tipos de lavouras: algodão, citros, maçã, rosa, tomate e trigo.
Imidacloprido
Encontrado em uma amostra de morango
Inseticida moderadamente tóxico e não autorizado para uso em morango. Desenvolvido a partir da molécula de nicotina.
Proibido no brasil
Metamidofós
Encontrado em três amostras (pepino, pimentão e alface)
Inseticida banido em países como Índia e China desde 2008 e, nos Estados Unidos, a partir de 2009. No Brasil, a aplicação está proibida desde 30 de junho de 2012 para qualquer tipo de lavoura. O Metamidofós também pode ser encontrado nos vegetais como derivado (resultado de degradação) do Acefato.
sem registro no país
Quinoxifeno
Encontrado em uma amostra de cenoura
Fungicida sem registro no Brasil – por isso, não há estudos técnicos e científicos sobre sua eficácia e seus efeitos à saúde. No monitoramento da safra de 2012/2013 realizado pelo Ministério da Agricultura, o Quinoxifeno não apareceu em nenhuma amostra. A presença de resíduos em alimentos sugere que o produto entrou no Brasil por meio de contrabando.
acima do limites
Tiofanato metílico
Encontrado em uma amostra de pimentão e uma de morango acima do limite permitido
Fungicida levemente tóxico.
Carbendazim
Encontrado em uma amostra de pimentão e duas de morango
Fungicida moderadamente tóxico, é permitido para frutas, legumes e cereais, embora seja alvo de polêmica. Em 2012, foi proibido nos Estados Unidos, que suspendeu importações de suco de laranja de produtores paulistas que usavam o agrotóxico. Também pode ser encontrado nos vegetais como derivado (resultado de degradação) do Tiofanato metílico. Nesse caso, a dose máxima de resíduos permitida é a soma dos limites para os dois venenos.
8) Fenpiroximato
Encontrado em duas amostras de morango
Acaricida altamente tóxico permitido para 41 tipos de lavouras entre frutas, verduras e flores.

USO DE AGROTÓXICOS AINDA É IMPRESCINDÍVEL PARA MANTER AGRICULTURA EM LARGA ESCALA

A necessidade de produzir alimentos em larga escala, a preços mais baixos, e o clima tropical do Brasil, propício ao desenvolvimento de resistências pelas pragas, estão na base da justificava para a aplicação de agrotóxicos nas lavouras ainda ser imprescindível.

Em décadas de hegemonia deste modelo de produção, as argumentações sempre estiveram relacionadas à necessidade de evitar o risco de desabastecimento da crescente população e a fome. Além de a aplicação de pesticidas combater outros seres vivos que tentam sobreviver no campo se alimentando de plantas, como os insetos.

Diretora de Segurança e Produto da Bayer na América Latina, Carla Steling faz uma analogia entre a aplicação de defensivos agrícolas e o uso de medicamentos pelos seres humanos. Assim como os indivíduos precisam, frequentemente, tomar fármacos para atacar doenças, o mesmo valeria para as plantações, ameaçadas por insetos, fungos, ácaros e ervas daninhas. Caso contrário, os predadores das lavouras poderiam comprometer produções, trazendo consequências para o abastecimento.

– Com a quantidade de vírus que temos por aí, não podemos abrir mão de antibióticos, analgésicos. Da mesma forma, não podemos abrir mão do defensivo para combater as pragas – justifica Carla.

Ela ainda explica que o clima do Brasil, com calor e chuvas em boa parte do ano, exerce papel importante para elevar a aplicação dos agroquímicos.

– As pragas sempre vão existir em todos os lugares. O que acontece é que elas desenvolvem maiores resistências e surgem em abundância por causa do clima tropical. A questão não é acabar com o defensivo, mas continuar desenvolvendo novos porque as resistências estão aí. O ponto é fazer o uso responsável e correto – avalia Carla, alertando sobre a necessidade de seguir fielmente as indicações de aplicação dos químicos.

REVOLUÇÃO VERDE PÓS-GUERRA FIRMOU PADRÃO DE PRODUÇÃO

O modelo agrícola atual, incrementado pelas tecnologias de fertilização e por pesquisas sobre sementes e mecanização do campo, entrou em vigor após a Segunda Guerra, em um contexto de Guerra Fria, no movimento que foi batizado de “Revolução Verde”. Essa lógica, oferecida à época pelo então bloco capitalista, previa o aumento da produtividade das plantações e o crescimento da oferta de alimentos a preços mais baixos.

– Uma mudança de modelo levaria décadas. O atual se viabilizou porque teve investimento massivo, inclusive do poder público. Todas as grandes empresas são subsidiadas. Os agrotóxicos têm isenção de até 60% de ICMS, dependendo do Estado, além do IPI e outros impostos. Há uma série de isenções para viabilizar. Também houve pacote de extensão rural para que se fizesse uso dessas tecnologias. Foi por isso que esse modelo vingou em um processo longo – explica o engenheiro de alimentos Victor Pelaez, doutor em Economia e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em resposta a questionamentos do Grupo de Investigação da RBS (GDI), o Ministério da Agricultura (Mapa) avalizou a concessão dos benefícios a indústrias de agrotóxicos como parte da política de Estado.

– Esse tema diz respeito a redução do custo desse produto (agentes químicos), responsável por um impacto de 20% em média no custo de produção da agropecuária brasileira. Os incentivos fiscais, a princípio, reduzem este impacto para a produção agrícola – explicou o Mapa, indicando que esse barateamento chega ao preço final do alimento.

O professor Pelaez avalia que o “risco da fome” ainda é muito presente no discurso de justificativa do uso predominante de agrotóxicos. Para ele, a consolidação de qualquer alternativa menos danosa à saúde – seja a produção orgânica ou o controle biológico de pragas – dependerá de investimentos e políticas públicas de longo prazo.

– Não existe só um modelo possível. Existem vários. O que vai viabilizar é a decisão e o investimento. A tecnologia não é neutra. Ela atende a interesses que podem ser públicos ou privados – destaca Pelaez.

 

“Não vou julgar 3 mil produtores por dois ou três”

ERNESTO DA CRUZ TEIXEIRA – Presidente da Ceasa desde 2015

A Ceasa está cumprindo o termo de ajustamento de conduta (TAC)?

Cumpre todas as obrigações. Cobra quando tem algum problema, ou se o Lacen (Laboratório Central do Estado) tem dificuldade, como acontece de quebrar máquina. Não ficamos parados.

Mas desde a assinatura do TAC, em 2012, a Ceasa nunca alcançou o número de até 20 testes por mês. Qual o motivo?

A máquina do Lacen ficou estragada uns seis meses. Mandamos várias notificações para a Secretaria da Saúde dizendo que o TAC não estava sendo cumprido. Era um problema que não pertencia à Ceasa.

Há algum impedimento para realização das coletas?

A Ceasa está aqui todos os dias, atacadistas, produtores, a mercadoria está aqui. É só ligarem para nossos engenheiros agrônomos: “Olha, hoje, amanhã, agora, estamos indo para a Ceasa”. Não há problema.

Com auxílio da UFSM, o GDI testou 20 amostras de cinco produtos coletados na Ceasa em 15 de setembro. O resultado mostrou que 45% estavam contaminadas. Qual a gravidade do caso?

Isso, para nós da Ceasa, não é uma coisa oficial. O TAC envolve o laboratório do Estado, que é credenciado. Não vou julgar o outro laboratório. Lamentamos que os produtos, às vezes, tenham problemas. Quando têm, os produtores recebem cursos, são suspensos, ou o produto sai do mercado.

Nas análises do Lacen de 2013, surgiu amostra de pimentão com Metamidofós, vetado no Brasil desde julho de 2012. Pelo TAC, o produtor tinha de ser proibido de vender pimentão por um ano na Ceasa, mas não foi? Por quê?

(Em 2013) não estávamos aqui.

Diante da relevância da Ceasa na distribuição de alimentos, a saúde da população do Estado está comprometida?

Não posso dizer que está em risco. Não vou julgar 3 mil produtores por amostras de dois ou três.

 

“Toda a nossa cadeia tem indícios de agrotóxicos”

FRANCISCO PAZ – Secretário adjunto da Saúde do Estado

As ações referentes ao termo de ajustamento de conduta (TAC) da Ceasa estão falhando?
Tem de ser mais, não tenho dúvidas. Mas está se fazendo. E o TAC é um termo entre entes públicos que fizeram pacto para atingir um resultado. Se não estão, bom, tem de ver por quê. Por que o Lacen (Laboratório Central do Estado) não fez mais exames? Porque não tem condições.

Nossas amostras apresentaram 45% de contaminação. Do ponto de vista da saúde das pessoas, isso é um risco?

Pode ser prejudicial. O morango é um dos produtos que mais necessita do uso de defensivos para não estragar. Esse pessoal que não tem morango identificado para rastreabilidade é incontrolável. Regra prática: não comer morango sem rastrea-bilidade. Isso garante? Não. Tu tem de saber que comendo moranguinho, estás ingerindo agrotóxico sempre. Podem ser mais ou menos graves? Podem. Não vejo forma para dar absoluta certeza de que os produtos estejam bons para consumo. O único indicativo são os orgânicos. Mas não se pode proibir o consumo de alimentos com agrotóxicos se o país permite a venda deles com mecanismos de controle frouxos. Se despejam toneladas (de veneno) no solo gaúcho por ano. Aí, não faz diferença comer um moranguinho contaminado. Toda a nossa cadeia alimentar tem indícios de resíduos de agrotóxicos.

A legislação é branda?

Tem de ser aprimorada. Mas certa vez, no tempo em que estava na direção do CEVS (Centro Estadual de Vigilância em Saúde), fui a Passo Fundo e perguntei a agricultoras se sabiam que agrotóxico fazia mal. A resposta de uma delas foi de que deveria se fazer um trabalho para o consumidor não ser tão exigente. Em casa, elas (produtoras) têm horta sem agrotóxicos, mas para vender no supermercado na cidade grande, (o alimento) tem de ser bonito. E aí, se coloca veneno.

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